A realidade é coisa delicada,
de se pegar com as pontas dos dedos.
Um gesto mais brutal, e pronto: o nada.
A qualquer hora pode advir o fim.
O mais terrível de todos os medos.
Mas, felizmente, não é bem assim.
Há uma saída – falar, falar muito.
São as palavras que suportam o mundo,
não os ombros. Sem o "porquê", o "sim",
todos os ombros afundavam juntos.
Basta uma boca aberta (ou um rabisco
num papel) para salvar o universo.
Portanto, meus amigos, eu insisto:
falem sem parar. Mesmo sem assunto.
Nove variações sobre um tema de Jim Morrison
4.
Por que é que essa tarde desmancha e desmaia e
sufoca o que o dia erigiu por um triz?
Por que é que a manhã com esse estrépito todo
dissipa o que a noite a tal custo ajuntou?
Sete Sonetos Simétricos
VII
A escuridão começa pelas bordas
e vai seguindo até chegar ao centro,
lá onde uma semente aguarda a hora,
tranquilamente, sem medo do escuro:
poiis é da natureza das sementes
se afastar da luz, mergulhar no úmido,
sepultar-se por toda uma estação.
No entanto, neste caso a escuridão
é de outra espécie, mais seca e mais rasa,
uma que avança devagar e sempre,
alheia a qualquer propósito ou causa,
até só restar pedra sobre pedra.
Mas a semente espera. Ela é insistente,
e acerta mesmo sem saber que erra.
Dez Sonetóides Mancos
Não há razão para ter razão em nada.
Que precisão tem o amor de linhas retas
se paralelas afinal são nada mais
que a garantia do infinito desencontro?
Olhai à vossa volta, ó assinantes de jornais,
ó vós que devorais com bom proveito
as bulas abissais dos antiácidos,
quantas volutas de paixão não heis desfeito
com o desajeito de vossos membros tímidos,
a omissão de vossos sonhos flácidos?
Três Epifanias Triviais
As coisas que te cercam, até onde
alcança a tua vista, tão passivas
em sua opacidade, que te impedem
de enxergar o (inexistente) horizonte,
que justamente por não serem vivas
se prestam para tudo, e nunca pedem
alcança a tua vista, tão passivas
em sua opacidade, que te impedem
de enxergar o (inexistente) horizonte,
que justamente por não serem vivas
se prestam para tudo, e nunca pedem
nem mesmo uma migalha de atenção,
essas coisas que você usa e esquece
assim que larga na primeira mesa –
pois bem: elas vão ficar. Você, não.
Tudo que pensa passa. Permanece
a alvenaria do mundo, o que pesa.
essas coisas que você usa e esquece
assim que larga na primeira mesa –
pois bem: elas vão ficar. Você, não.
Tudo que pensa passa. Permanece
a alvenaria do mundo, o que pesa.
O mais é enchimento, e se consome.
As tais Formas eternas, as Ideias,
e a mente que as inventa, acabam em pó,
e delas ficam, quando muito, os nomes.
Muita louça ainda resta de Pompeia,
mas lábios que a tocaram, nem um só.
As tais Formas eternas, as Ideias,
e a mente que as inventa, acabam em pó,
e delas ficam, quando muito, os nomes.
Muita louça ainda resta de Pompeia,
mas lábios que a tocaram, nem um só.
As testemunhas cegas da existência,
sempre a te olhar sem que você se importe,
vão assistir sem compaixão nem ânsia,
com a mais absoluta indiferença,
quando chegar a hora, a tua morte.
(Não que isso tenha a mínima importância).
sempre a te olhar sem que você se importe,
vão assistir sem compaixão nem ânsia,
com a mais absoluta indiferença,
quando chegar a hora, a tua morte.
(Não que isso tenha a mínima importância).
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